Por
Cibele Reschke
Com
equipes enxutas, a dificuldade em negar demandas no trabalho pode causar
sobrecarga e estresse. Mas há maneiras de fazer isso sem parecer preguiçoso
Com a
crise, o mercado fica ainda mais competitivo e sedento por resultados. Uma das
consequências é o acúmulo de funções — e a dificuldade em negar um pedido dos
chefes piora o quadro, gerando sobrecarga e estresse. O medo de dizer “não” é
um fenômeno mundial.
Gesto
negativo (Imilian/Thinkstock)
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Fora
do Brasil, a psicóloga social americana Harriet Braiker, Ph.D. pela Universidade
da Califórnia, em Los Angeles (Ucla), explorou o assunto no livro The Disease
to Please (“A doença de tentar agradar”, numa tradução livre, sem edição no
Brasil), que se tornou um best-seller segundo o jornal The New York Times. Para
Harriet, as vítimas desse mal não são apenas pessoas que querem agradar e fazer
os outros felizes.
Elas
têm, na verdade, uma necessidade incontrolável de obter a aprovação. A aversão
ao confronto e à raiva as leva a ser mais gentis do que o normal, como uma
forma de autodefesa. Na obra, a autora desconstrói o mito de que tentar agradar
sempre é um problema benigno. Em se tratando de carreira, a proatividade
excessiva pode ser prejudicial (veja quadro “As nove estratégias da negativa”).
Há
duas origens para o medo de dizer “não” no escopo profissional — uma está
relacionada à personalidade e outra à cultura. Na dimensão pessoal, esse medo é
uma consequência da síndrome do perfeccionismo e do temor de ser rejeitado
quando necessitar de ajuda, traços que são construídos desde a infância. “O
primeiro ‘não’ que recebemos na vida é assustador e associado a um erro
cometido”, afirma Tália Jaoui, coach da Prime Talent Brasil, de São Paulo. Mas
a forma como diferentes povos reagem ao “não” pode variar. “Em alguns países
latinos, como o Brasil, as pessoas já esperam o ‘sim’ ao fazer uma pergunta,
como se dizer não fosse uma heresia. Na Europa e nos Estados Unidos o ‘não’ é
usado como uma ferramenta de produtividade.”
Para
algumas pessoas, a dificuldade em dizer “não” se origina da paixão pelo
trabalho e da vontade de fazer cada vez mais. Dono de uma consultoria para o
mercado cervejeiro, Gustavo Renha, de 32 anos, de Niterói (RJ), trabalha com o
que ama em um segmento de mercado com demandas em crescimento exponencial.
Por
deter um conhecimento altamente especializado, Gustavo não consegue delegar
muitas tarefas e, por isso, nem sempre dá conta de todas as demandas dos
clientes. “Negar é um desafio enorme, porque quero que o negócio cresça e
prospere, mas eu preciso adiar alguns trabalhos para garantir que a qualidade
do serviço e a reputação da empresa se mantenham intactas”, diz o consultor,
que está com a agenda lotada para até depois do Carnaval de 2018.
Do
ponto de vista corporativo, o medo de recusar algo pode ser reflexo de um
modelo de gestão que busca resultados a qualquer custo. “As empresas tendem a
sobrecarregar o sujeito até que ele falhe, aproveitando-se da natural
dificuldade do profissional de dizer ‘não’ e reforçando esse traço, em vez de
entendê-lo e poupá-lo,” diz Anderson Sant’Anna, professor na Fundação Dom
Cabral, de Minas Gerais. Somos condicionados a dizer “sim” quando a cultura
corporativa associa o ‘não’ a fraqueza, falta de engajamento, má vontade e
incompetência. No entanto, esses mitos podem ser muito perigosos para a saúde e
para a carreira.
Efeito
colateral
Quando
foi contratada por uma companhia do setor de licitações públicas em Recife, a
estudante de administração Maria Eduarda de Carvalho, de 25 anos, que hoje é
trainee na área administrativa da Moura Dubeux Engenharia, trabalhava 12 horas
por dia.
Em
apenas quatro meses de empresa, ela já havia acumulado as funções de três
pessoas e passava muito tempo resolvendo emergências e atendendo a pedidos que
iam além do contrato. Mas, quando foi pedir uma promoção que fizesse jus às
suas responsabilidades, Maria Eduarda se frustrou com a falta de oportunidades
e pediu demissão. “Sofri a velha história do bonzinho que ajuda todo mundo:
quanto mais generoso você é, mais te exploram”, diz Maria Eduarda. “Aprendi a
me respeitar e a trabalhar de forma sustentável e hoje sou reconhecida por isso.”
Casos
como o dela são comuns no mundo corporativo e demonstram que o “sim” constante
pode ter efeitos colaterais. Primeiro, porque a sobrecarga nos faz ir além dos
nossos limites, o que cria um ambiente mais propício ao erro. “As pessoas
prestam mais atenção quando falhamos do que quando acertamos”, afirma Luiz
Carlos Cabrera, professor na Escola de Administração de Empresas da Fundação
Getulio Vargas de São Paulo.
Fazer
mais do que se dá conta, além de provocar uma má avaliação de desempenho, é um
empecilho ao desenvolvimento, já que, para aprender novas competências, é
necessário tempo para estudar e maturar os conhecimentos. Consequentemente,
dizer “sim” excessivamente pode impedir o crescimento na carreira. Isso sem
contar os problemas psicossomáticos associados à sobrecarga, como ansiedade,
desequilíbrio emocional e estresse.
Como
recusar trabalho de maneira assertiva
1.
Avalie seu ânimo
Antes
de responder se pode ou não fazer algo, analise se você está bravo, preocupado,
estável, feliz ou entusiasmado. Isso influencia sua fala e a percepção alheia.
2.
Reflita um pouco
Não
comece a resposta de forma negativa. Ouça a solicitação até o fim e compreenda
a demanda primeiro. Entenda a vantagem pessoal de trabalhar essa nova tarefa.
3.
Seja sincero
Ao
dizer “não”, você demonstra discordar da tarefa. Explique seu problema ou
dificuldade e, caso não tenha a competência técnica para executar, informe.
4.
Mostre empatia
Não
seja agressivo. Demonstre interesse em seu interlocutor, mostre a boa vontade de
ajudar e crie um ambiente confortável para o diálogo. O uso de humor pode
ajudar.
5.
Estabeleça prioridades
Entenda
o prazo e a urgência da tarefa, mostre ao seu gestor por que seu tempo está
reduzido devido a outros afazeres e pergunte se pode adiar demandas anteriores
para atender à nova.
6.
Negocie com objetividade
Apresente
soluções ao interlocutor. Use fatos concretos para justificar a recusa e
negocie questões como prazo, ajuda de colegas e treinamentos, caso exista
necessidade.
7.
Atenção à linguagem
Abaixe
o tom de voz, tenha paciência, não vire os olhos, não demonstre pouco caso.
Posicione-se como um interlocutor. Dessa forma, você mostra respeito.
8.
Seja autoconfiante
A
imposição de limites tende a ser bem avaliada nos ambientes profissionais e
demonstra segurança e conhecimento sobre os processos de trabalho.
9.
Revise seus hábitos
Tem
gente que faz questão de falar que nunca pode fazer nada. Quando você só diz
“não”, as pessoas deixam de recorrer à sua ajuda e isso causa isolamento.
Assuma
o controle
Saber
dizer “não” demonstra autoconfiança e abre espaço para discussões que podem ser
produtivas. “Quando há impedimentos, o ‘sim’ obediente e pouco questionador
cria problemas em bola de neve”, diz Maria Candida Baumer de Azevedo, sócia
fundadora da People & Results, de São Paulo. Mas como encontrar o
equilíbrio entre o que aceitamos e o que negamos? Eleger prioridades é o
primeiro passo para atingir um balanço.
Foi o
que fez Rodrigo Grigol, de 30 anos, gerente de customer service da Philips, em
São Paulo, quando entrou na companhia em 2011 e percebeu que estava diante de
uma série de desafios que, sem a devida organização, poderiam gerar muita
pressão. Para lidar com as demandas, ele buscou treinamentos e coaching com o
apoio da empresa e aprendeu a priorizar, delegar, entender até onde você
aguenta e não se sobrecarregar.
Com
isso, já recebeu várias promoções. “Precisamos escolher as batalhas para lutar
porque nossos recursos são finitos e, como não dá para fazer tudo de uma vez,
necessitamos de equilíbrio”, afirma Rodrigo. Em situações emergenciais, é claro
que se deve encarar o problema e resolvê-lo, mas é preciso fazer a leitura
correta do quadro. “Há momentos certos para questionar e momentos em que se
deve colocar a mão na massa”, diz Tália Jaoui. O importante é lembrar que não
há nada de errado em assumir os próprios limites. Pelo contrário, ao dizer
“não” com bom senso, o profissional pode passar mensagens importantes ao
empregador: a de que sabe pensar e de que se preocupa com a qualidade de suas entregas.
Fonte:
Exame